sábado, 15 de março de 2025

Pseudo-Filosofagem: Lanterna Verde

Aquela vez que o Lanterna Verde tentou criar uma pedra mais pesada do que podia levantar ou... A filosofia da virtude!

No Universo DC, existem os Lanternas Verdes, uma tropa policial intergaláctica cujos poderes são focados em Vontade. Eles possuem um anel de tecnologia alienígena que transforma os pensamentos do usuário em construções de luz sólida, no caso, verde. Tudo que ele usar a Força de Vontade, um Lanterna Verde pode criar.

Para ser um Lanterna Verde o único requisito é que o usuário não tenha medo.

Depois, uma série de Tropas surgiram; uma para cada espectro de cor do Arco-Íris, e cada uma ligada a uma emoção. Os Lanternas Amarelos usam o Medo. Os Lanternas Laranja usam a Avareza. Os Lanternas Azuis usam a Esperança. Os Lanternas Vermelhos usam a Raiva. Os Lanternas Índigo usam a Compaixão. Os Lanternas Violeta usam o Amor. E os Lanternas Verdes, como já disse, a Vontade. Isso traz uma pergunta: Se cada cor controla uma emoção, Vontade é uma emoção?

Geralmente entendemos Força de Vontade como a forma mais pura de consciência, mas de fato, Vontade é uma emoção. Vontade significa o desejo de ir em direção a algo que te falta. Como tal, Vontade é um desejo, um apetite. Emoções são formas do cérebro demarcar experiências... Boas experiências são registradas com boas emoções, e experiências ruins com más emoções. A Vontade é o desejo de reviver ou alimentar uma destas emoções, neste caso a Vontade serve às emoções.

Logo, Vontade não está acima das emoções. É a RAZÃO a única coisa que realmente está acima das emoções, inclusive da Vontade; a Razão pode usar a Vontade a seu favor, como também pode superar as outras emoções.


Os Lanternas Verdes porém não controlam a "Razão", eles controlam a "Vontade". 
Isso significa que um Lanterna Verde é uma vítima fácil de suas emoções, desejos e apetites emocionais. Isso traz outra pergunta: Qual o papel da emoção em raciocínio moral e ético?

Em cada Tropa dos Lanternas, os personagens são cegos por suas emoções. O Líder dos Lanternas Amarelos, Sinestro, acredita que o Medo é a única forma de lidar com as coisas, e o maior motivador. Sinestro parece ser o único sem medo, porém na verdade ele tem o maior medo de todos... Tem medo de um Universo no qual ele não esteja no controle.

A líder dos Lanternas Violetas, Safira Estrela, que apesar de ter nome de uma joia azul, e usar um uniforme rosa, é líder dos violetas, acredita que o Amor supera tudo. Contudo quando raciocínio se torna um ato de Amor, ao invés de intelecto, não sobra nenhum espaço para ser razoável. Não por acaso ela toma as medidas mais extremas e criminosas.

O Líder dos Lanternas Vermelhos é Atrocitus, que acredita que grandes injustiças não devem passar sem punição. A política dos Lanternas Vermelhos é totalmente de retribuição e vingança. Para ele qualquer outra emoção leva à passividade, e inação.

O Líder dos Lanternas Laranjas, Larfleeze, usa o poder da Avareza. Essa é uma emoção muito semelhante com Amor, eu diria, com uma pequena diferença. Enquanto no Amor, as Lanternas Violetas desejam que tudo perca sua identidade em uma grande massa de união, um grande "Todo" de Amor, os Laranjas querem que todas as coisas percam a sua identidade em Larfleeze. Enquanto o Amor quer proteger a todos, a Avareza quer proteger apenas aquilo que ela pode segurar. Ambas posturas são irracionais. Você não pode proteger TUDO, e ao mesmo tempo se as únicas coisas que deseja proteger são suas propriedades privadas, você vai descobrir um dia que muros não protegem contra radiação nuclear. Propriedade privada só existe em um mundo onde exista uma terceira parte que reconheça e garanta a validade daquela propriedade. Se você se torna um paranoico trancado dentro de casa com um rifle atirando em tudo que passa pela frente da sua casa, você não vive para aproveitar sua propriedade.

Já os Lanternas Azuis são liderados por um "Santo", mas eles não dão realmente nenhum argumento para seu poder. Eles apenas dizem que Esperança é a emoção mais poderosa de todas. No entanto isso não é verdade. Eles não têm certeza de nada. Eles têm apenas ESPERANÇA de que isso seja verdade. Nós temos o hábito de vermos esperança em uma boa luz, todavia devemos lembrar que na Filosofia Clássica, a Esperança estava na jarra dos males de Pandora. Esperança ao mesmo tempo que pode dar resistência para alguém prosseguir, também pode gerar inação.

Quando aos Lanternas Índigos, da Compaixão, são tão misteriosos que ninguém sabe o que podem fazer além de se conectarem com as outras Tropas. Compaixão, afinal, é "sentir com o outro". Entretanto mesmo a Compaixão possui uma falha mortal. Quando sentimos com o outro, isso deve ser feito compreendendo o porque do outro sentir e estar naquela condição; mas isso não significa CONCORDAR com ele. Quando concordamos cegamente com o outro por compaixão, na realidade estamos NOS PROJETANDO nele. E isso leva a erros de julgamento, já que por mais semelhante que sejam as experiências, o outro não é a gente.

Todas essas Tropas, carregadas emocionalmente, na ficção devem "proteger o Universo". Como seria se as emoções fossem a base para deliberação moral e julgamento?

Filósofos Clássicos como Platão e Aristóteles viam as emoções como significantes, porém entendiam de uma forma muito diferente das Tropas. Para a Filosofia Clássica, principalmente Aristóteles, moralidade é se tornar um tipo particular de pessoa, alguém com um caráter de sabedoria prática, equilibrado e capaz de fazer a coisa certa na hora certa; ou seja a coisa mais equilibrada e racional a se fazer.

Emoções possuem uma imensa influência em nossas ações, e de fato na maior parte do tempo agimos como autômatos, reagindo às nossas emoções, à estímulos internos e externos. Apenas quando usamos a razão ACIMA DAS EMOÇÕES é que nos tornamos realmente "conscientes". Isso não é tão fácil quanto parece.

Muitas pessoas, por exemplo, criticam o conceito de Signos como se as pessoas estivessem se desviando de responsabilidade moral e pondo a culpa nos signos. No entanto signos não regem a consciência; signos regem apenas nossas emoções e temperamento. Mesmo que uma pessoa "não acredite em signos" ela ainda estaria reagindo apenas às suas emoções todas as vezes em que não utilizasse de um ato consciente e racional de decisão, acima do que estiver sentindo. Ou seja, é a mesma coisa de signos. Parece tão óbvio, mas é incrível como os críticos não param dois minutos para pensar nisso.

Emoções não são, ao contrário do que pensam, traços individuais de caráter, mas existem em uma série de spectrums. Para qualquer emoção, não existem apenas dois extremos... O excesso de emoção de um lado, e a falta desta emoção do outro. Entre os dois existem vários níveis da emoção, inclusive a quantidade certa, equilibrada. É essa posição equilibrada que Aristóteles chama de Virtude, que é quando a emoção é contida, administrada, e utilizada pela Razão.

A Razão é o que dá a agentes morais a orientação necessária para equilibrar suas emoções e usá-las a serviço do Bem. Sem razão, os agentes agirão em serviço de seus apetites, controlados pelas paixões, pelo que ACREDITAM ser bom ao invés do Bem em si. Razão é o componente frio de nossa psiquê que pode cuidadosamente analisar cada situação e determinar qual emoção ou quantidade de emoção é necessária.

Platão fez a seguinte analogia: Assim como um General é a pessoa em comando, que direciona os soldados no campo de batalha, a razão deve direcionar as emoções, e providenciar a motivação para a ação. Razão e Emoção são essenciais, porém a pessoa vai funcionar corretamente apenas se a Razão estiver no comando. Pois "aquilo que é inferior deve naturalmente obedecer ao que é superior". A Razão precede a Matéria, pois a matéria obedece a um "Logos", uma ordem e razão em sua constituição. As emoções são parte da matéria, reações químicas que nos alertam quando uma situação é boa ou ruim, nociva ou proveitosa para nossa segurança e conforto, seja aparente ou real. Logo, as emoções devem obedecer a Razão, que existe em um nível superior. Não se trata de utilizar apenas a Razão, como uma máquina fria, pois as emoções são parte da Realidade e um meio pelo qual experimentamos a realidade material, o meio pelo qual somos seres vivos. Contudo a ordem natural das coisas deve ser respeitada para uma existência virtuosa, ou seja, equilibrada e proveitosa.

Por exemplo, os Guardiões do Universo são seres frios e extremamente racionais que comandam as Tropas de Lanternas Verdes. No entanto eles ignoram as emoções completamente, e por isso são incapazes de compreenderem aqueles que orientam.

Em outro exemplo, a virtude da Coragem é o perfeito ponto de equilíbrio entre o atrevimento e a covardia. É bom agir decisivamente em face ao medo, todavia fugir de batalhas que você pode enfrentar é covardia e entrar em batalhas que não pode vencer é tolice e atrevimento. A Razão então nos diz quando uma situação deve ser encarada ou evitada.

O primeiro erro cometido por todas as tropas de Lanternas é que todas estão agindo em excesso, e isso torna a todas extremamente vulneráveis. O segundo erro é que estão todos agindo com uma única emoção, e são incapazes de verem a inter-relação das emoções e a UNIDADE DAS VIRTUDES. Se você tem uma Virtude, você tem todas, porque você é capaz de empregar razão e julgamento. Se a pessoa aparenta ter apenas uma virtude, ela não a tem de fato, pois todas as Virtudes nascem da Prudência, que leva a pessoa buscar a Via Dourada, o equilíbrio, em todas as outras.

Sem Prudência, de vez em quando você pode acertar o alvo, mas não possui a Virtude. Se você possui o julgamento certo, virtuoso, e tem razão o suficiente para usar em uma virtude, você tem razão para usar isso o tempo todo em todas as outras.

Nas histórias em quadrinhos, teve uma Saga chamada "A Noite mais Densa". Os entes queridos já falecidos dos heróis retornam do túmulo e são usados pelos "Lanternas Negros" para destruírem os heróis. Eles fazem isso usando as emoções contra seus usuários. Eles se alimentavam destas emoções. A única forma de destruir um Lanterna Negro? Unir todos os anéis de cores sob comando de um Lanterna Verde, alcançando a cor branca. Apesar que na história associam a cor branca com "vida", a palavra correta seria "Consciência", ou seja, a Razão. Desta forma, razão e emoção são necessárias, porém no final das contas a emoção é subserviente à razão para não ser prejudicial.

Quando os Lanternas Verdes usam a Vontade a serviço das emoções, temos histórias como a vez em que Hal Jordan surtou e destruiu a Tropa inteira. Ninguém podia vencê-lo, pois ninguém tinha força de vontade maior que Jordan, contudo essa vontade estava cega pela ira e rancor. No entanto quando os Lanternas usam a Vontade para CONTROLAR as emoções, você tem as melhores estórias, onde personificam o exemplo da Virtude Coragem. E a Coragem só existe quando se reconhece o Medo. Hal Jordan, o principal Lanterna Verde, só cometeu erros quando acreditava não ter medo de nada. O medo é uma emoção, e como tal é necessária ser reconhecida.

Aristóteles nos diz que uma pessoa literalmente sem medo não pode ser uma boa pessoa. Ele nunca buscará o equilíbrio, pois não teme as consequências. Vontade sozinha não é o suficiente. A Vontade é uma ferramenta da Razão, um prisma através do qual as emoções são filtradas para a ação correta.

Como nossa Sociedade Moderna não compreende o que os Filósofos antigos chamavam de "Equilíbrio" ou "Via Dourada"... O que não significa que a Sociedade Antiga também compreendesse... Nossa sociedade ao invés das Virtudes adotou a teoria moral chamada de Utilitarianismo. Ao invés de reconhecer e filtrar as emoções, Utilitarianismo prega que a ação correta é aquela que maximiza a felicidade e diminui o sofrimento para todos impactados por ela. Moralidade, nesse sentido, é mirado em "atender o desejo da maioria", buscando igualdade pelo bem-estar de todos, sem consideração especial às preferências ou interesses ou necessidades individuais.

Para o Utilitarianismo, não importa a motivação da ação apenas as consequências. Não por acaso, a doutrina moderna do Utilitarianismo é a que tem causado as maiores desigualdades e injustiças. Quando todo o juízo é feito pelo denominador comum mais baixo, os resultados só podem ser os mais baixos. Ao focar no utilitarianismo, ironicamente nossa sociedade falha em perguntar a UTILIDADE das coisas, ou seja, o que realmente é necessário.

Nesse caso, voltando a pergunta título, pode o Lanterna Verde criar uma pedra tão pesada que ele seja incapaz de levantar? Usando a Razão, a resposta é clara: Ele não precisa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário