terça-feira, 18 de março de 2025

Pseudo-Filosofagem: Pernalonga

Aquela vez que tivemos o professor mais estoico de todos... Ou Pernalonga, o Rei Filósofo!

Quando o Pernalonga começou, ele era um personagem maluco como o Pica-Pau. Foi o diretor Chuck Jones, que também fazia sua voz, e a de todos os outros personagens dos Looney Tunes, que deu a ele uma personalidade. E essa personalidade é fundamentada na Filosofia do próprio Jones.

Para se ter uma ideia, 90% do que acontecia no desenho do Pernalonga era proibido pelos produtores. Jones fazia mesmo assim. Depois exibia o desenho pros produtores, que riam tanto que ficavam loucos para exibirem os desenhos.

E uma das lições de vida que Jones passou para suas criações, foi o Estoicismo diante de qualquer situação, aliado a determinação de fazer aquilo que era importante para ele. Uma vez ele foi criticado por ter feito um episódio do Pernalonga com a Ópera "O Anel dos Nibelungos" de Wagner; os críticos disseram que as piadas não seriam compreendidas pelas crianças. A resposta de Jones: "Eu não fiz pras crianças, eu fiz pra mim.". E foi por ter feito para ele mesmo, que se dedicou para alcançar alta qualidade.

E essa Filosofia de agir tranquilamente diante de situações críticas, de manter a cabeça fria, está presente em todos seus cartoons. Perceba que o Pernalonga, ao contrário do Pica-Pau, não sai procurando encrenca. Ele está sempre na dele, tranquilo, e de repente OUTRAS pessoas que chegam e o incomodam, e então ele reage. O Papa-Léguas NUNCA machucou o Coiote, é sempre o Coiote que se arrebenta todo como resultado de seu próprio desespero e afobamento.

A vida não é sempre previsível e nem sempre ocorre como imaginamos. Porém o Pernalonga sempre confia em seus instintos. Aceitando cada nova experiência e presente momento da forma que encontra. Ele sempre relaxa enquanto todo mundo ao seu redor está perdendo a cabeça. Ele nunca dá poder ao Touro. Quando aquele imenso Touro vem desesperado na direção do Pernalonga, ele permanece focado naquilo que o Touro não está vendo (a grande parede atrás da capa vermelha).

Se algo não é problema dele, o Pernalonga não torna aquilo problema dele. Se não tem um problema com alguma coisa, aquela coisa não é um problema pra ele. E se você tenta fazer aquilo um problema pra ele, ele vai dizer "É claro que você sabe que isso significa Guerra". E quando a Guerra acaba, ele sai cantando mastigando uma cenoura.

E ao contrário de passividade ou inação, essa atitude sua é acompanhada de uma total entrega. Ele se joga completamente em tudo aquilo que faz, em cada aspecto da vida, não há nada que o Pernalonga vá se arrepender em seu leito de morte (caso coelhos de desenho animado possam morrer). Ele é o mestre da criatividade. Todas as vezes que pergunta "Hmmm... O que que há, velhinho?", está lhe convidando a ser criativo. Sua forma debochada diz "Por que você está tão preocupado?" em inglês a frase é "What's up Doc?", e ao chamar o outro de Doutor, ele mostra que o próprio é humilde demais para ter preocupações "tão importantes" e por esse motivo está tranquilo. Não é que ter um rifle de dois canos na sua cara não seja importante. Entretanto ele não deixa a situação subir à sua cabeça e lhe roubar de perspectiva.

Perceba que a chave da piada naquelas situações onde Pernalonga e Patolino estão com uma arma na cara, é que o Patolino sempre leva chumbo porque ele perde o controle. Essa tranquilidade que Chuck Jones passou para o personagem não é nada como a passividade Budista que tantos livros de auto ajuda modernos defendem. É muito mais uma forma de Estoicismo.

Um Budista jamais vai dizer "Você sabe que isso significa Guerra". Um Estoico. porém, uma vez que adentra uma atividade, resilientemente dará o melhor de si.

O que me traz de exemplo o Estoico Epictetus em seu "Discursos", livro 1, discurso 2:

Priscus Helvidius também viu isso, e agiu de acordo. Pois quando Vespasiano ordenou que não fosse ao Senado, ele respondeu.

"Está em seu poder não me permitir ser um membro do Senado, contudo enquanto eu for eu, eu devo ir."

"Bem, vá então." disse o Imperador. "Mas não diga nada."

"Não peçam minha opinião, e ficarei calado."

"Mas eu vou pedir sua opinião."

"Então vou responder o que penso ser o certo."

"Mas se você o fizer isso, mandarei lhe matar."

"Quando eu disse que me tornei imortal? Faça sua parte e eu farei a minha: sua parte é matar, a minha é morrer, mas não com medo; a sua é me banir, a minha é ser banido com dignidade."

Priscus não queria se envolver, porém uma vez que se envolveu, "isso significa guerra" e não trairia sua natureza, agindo fiel e verdadeiro ao seu caráter até o fim.

O estoicismo foi fundado em Atenas por Zeno de Citium no início do século III a.C., mas foi famosamente praticado por pessoas como Epictetus, Seneca e Marcus Aurelius. A filosofia afirma que a virtude (tal como a sabedoria) é a felicidade e o julgamento se baseia no comportamento, e não nas palavras. Que não controlamos e não podemos confiar em eventos externos, apenas nós mesmos e nossas respostas.

O estoicismo tem apenas alguns ensinamentos centrais. Ele se propõe a nos lembrar de como o mundo pode ser imprevisível. Quão breve nosso momento de vida é. Como ser firme, e forte, e no controle de si mesmo. E, finalmente, que a fonte de nossa insatisfação reside em nossa dependência impulsiva de nossos sentidos reflexivos e não em lógica.

"É em tempos de segurança que o espírito deve estar se preparando para tempos difíceis; Enquanto a fortuna está dando favores sobre ele é então o momento para que ele seja fortalecido contra suas rejeições."

— Seneca

É importante lembrar que este é um exercício e não um conselho retórico. Ele não quer dizer "pensar em" infortúnio, ele quer dizer viver. Conforto é o pior tipo de escravidão porque você está sempre com medo de que algo ou alguém vai tirá-lo. No entanto se você não pode apenas antecipar, mas praticar infortúnio, então a chance perde sua capacidade de perturbar sua vida. Isso não significa ser um pessimista. Isso significa viver cada momento por aquilo que o momento é... Um momento.

"Alexandre, o Grande e sua mula ambos morreram e a mesma coisa aconteceu a ambos."

 Marcus Aurelius

Marcus Aurelius escreveu esse lembrete simples e eficaz para ajudá-lo a recuperar a perspectiva e permanecer equilibrado:

"Corra a lista dos que sentiram uma raiva intensa por algo: o mais famoso, o mais infeliz, o mais odiado, o mais qualquer: Onde está tudo isso agora? Fumaça, poeira, lenda... Ou nem mesmo uma lenda. Pense em todos os exemplos. E quão triviais as coisas que queremos tão apaixonadamente são."

É importante notar que "paixão" aqui não é o uso moderno que estamos familiarizados como no entusiasmo ou cuidar de algo. Quando os estoicos discutem a superação das "paixões", que eles chamam de patheiai, se referem aos desejos e emoções irracionais, insalubres e excessivos. A raiva seria um bom exemplo. O que é importante lembrar, e este é o ponto crucial, eles procuram substituí-los com eupatheiai, como a alegria em vez de prazer excessivo. Com aproveitar o momento, sabendo que é um momento.

Voltando ao ponto do exercício, é simples: lembre-se de como tudo é pequeno. Pergunte-se a si mesmo um grande "What's up Doc?"

Isso não significa que as coisas não têm importância, elas têm. Todavia se elas são importantes agora, fazer a coisa certa agora é agir proporcionalmente à essa importância, e isso significa ter uma perspectiva maior do quanto as coisas são efêmeras. Uma vez quando bêbado, Alexandre o Grande começou uma briga com um amigo, Cleitus, e acidentalmente o matou. Depois disso não conseguiu comer ou beber por dias e se tornou uma pessoa amarga. Sofistas foram chamados de toda Grécia para resolverem o problema, e não puderam fazer nada. Essa é a marca de uma vida de sucesso? Do ponto de vista pessoal, não importa muito se seu nome entrou para História se em um momento de descontrole você jogou fora aquilo que dentro da sua vida era realmente importante para você. É claro que quando algo que amamos está em perigo, é natural se desesperar, ficar nervoso; mas ao menos TENTAR manter a cabeça fria, mesmo que não consigamos, já faz uma imensa diferença.

Para o Pernalonga, a coisa mais importante é sua calma e paz de espírito. Ele não deixa ninguém tirar isso dele, sempre transformando problemas em oportunidades, que mesmo não sendo consoladoras, abrem novas perspectivas e caminhos, e no caso do Pernalonga um bom episódio de Looney Tunes.

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