Shishio Makoto é um personagem fictício da série de mangá Rurouni Kenshin, o anime Samurai X. Ele é o principal antagonista da série durante o arco de Kyoto. Shishio foi o sucessor do personagem principal, Kenshin, como assassino a serviço do Imperador contra o Shogunato. Ele foi, como Kenshin, um dos samurais que contribuíram para a transição da Era Meiji apenas para descobrir que não haveria mais espaço para Samurais na nova era do Japão. Temendo que Shishio pudesse revelar para alguém os métodos utilizados pelo Governo Meiji, eles o queimaram vivo, Mas ele sobreviveu, recrutou um exército de Samurais e o governo teve que chamar Kenshin para enfrentá-lo. Devido à tentativa de assassinato, Shishio sofre de Anhidrosis; a incapacidade de suar. Isso pode levar à hipertermia seguida de morte.
A Era Meiji consiste no período de quarenta e cinco anos do Imperador Meiji do Japão, que se estendeu de 3 de fevereiro de 1867 a 30 de julho de 1912. No final do Período Edo (1603-1868), o Japão era um país feudal, economicamente atrasado, e que permanecia distante em termos de Relações Internacionais. Em julho de 1853 uma esquadra dos Estados Unidos de quatro navios, exigiu a abertura dos portos japoneses, iniciando assim uma cadeia de eventos que levariam ao fim do shogunato no Japão.
Isso possibilitou reformas econômicas que consistiram na eliminação do modo de produção feudal, na liberação da mão-de-obra, e na assimilação da tecnologia ocidental, preparando o Japão para o capitalismo. Em 1871, Meiji aboliu a hierarquia instaurada pelos shoguns. Assim, os samurais, até então obrigados de pai para filho a obedecer ao seu senhor, o daimiô, seguindo um rígido código de honra (o bushidô), se põem a serviço do imperador, que nesse novo mundo não precisava deles.
Os antigos feudos foram extintos e os privilégios pessoais foram eliminados através de uma reforma agrária e da reformulação da legislação do imposto territorial rural.
Economicamente, a Era Meiji foi um sucesso para o Japão. Em termos de paz espiritual nem tanto... Muitas pessoas foram incapazes de realizarem a transição e se sentiram abandonadas. Inclusive porque a Ocidentalização da economia japonesa trouxe o emprego de mais de 3 mil especialistas estrangeiros, e enviou jovens japoneses para estudarem no exterior, o que enquanto para eles foi muito bom, para suas famílias significou a perda de respeito pelas tradições e autoridade dos clãs familiares. O mundo ficou maior para eles.
Na história, o ex-assassino Kenshin percebeu que a vida VALE a pena ser vivida, e que as misérias que passou no início de sua vida, não significam que ele não seja importante. Porém ainda considera a importância dele apenas em relação a como serve aqueles que o amam; ele não considera que a sua vida tenha valor independente disso. É preciso que os amigos lhe digam "Volte com VIDA", para que ele não jogue fora a vida tentando protegê-los, e que também cuide de si. Já Shishio tem uma filosofia muito diferente, nas palavras dele "Nesse mundo, os fracos são o sustento dos fortes. O forte vive, o fraco morre". É uma retórica poderosa no contexto do Anime, o início da Era Meiji, rompendo com a sociedade rigidamente hierárquica do Japão. Porém vamos ver se ela realmente tem fundamento, ou se essa retórica apenas esconde algo mais significativo.
Uma coisa importante sobre o personagem é como ele acaba; Shishio morre de combustão espontânea porque leva mais do que quinze minutos para derrotar Kenshin. Contudo essa não é a última vez que ele aparece... No final, o vemos no Inferno, onde com seu braço direito e a amante ele decide que como no Inferno não existe ninguém decente, será mais fácil construir uma base de poder e conquistar o lugar.
Ele é quase o que Aristóteles chamaria de "um Homem de Grande Alma". É necessário uma força poderosa de caráter para não baixar a cabeça na derrota e ver mesmo a sua condenação como uma oportunidade de vitória; e mais ainda ter inteligência para tentar derrubar o governo Japonês, reunir um exército de sociopatas aparentemente incapazes de trabalharem uns com os outros e incentivá-los a segui-lo, e ainda sobreviver por pura força de vontade e resistência a uma tentativa brutal de assassinato, na qual teve o corpo carbonizado e... De fato, quase derrotar o matador mais lendário do Japão. Ele perdeu para Kenshin apenas porque Kenshin DEU SORTE.No entanto o que afasta Shishio do "Homem de Grande Alma" de Aristóteles, é o fato de ser completamente tomado por suas emoções. Isso pode soar estranho já que em nenhum momento o vemos sentimentalista ou misericordioso. Kenshin aparenta ser muito mais emotivo. Entretanto ele não é de fato. Shishio é mais emotivo, acontece apenas que todas suas emoções são negativas. A "combustão espontânea" do personagem simboliza estas emoções, as quais é incapaz de conter. Ele até mesmo usou sua amante como escudo, um ato que apesar de parecer frieza, é na realidade um ato desesperado de alguém tomado pelo ódio. Porque além de ser sua amante, era também a única capaz de cuidar da sua condição, suas queimaduras, alguém que era legitimamente fiel e o amava. Ele é, como é típico nos Arqui-inimigos, o espelho de Kenshin. Ao contrário de Shishio, Kenshin percebe que a mulher que o ama é essencial para sua sobrevivência, para mantê-lo longe daquilo que era antes.
A retórica de Shishio, de que o forte deve viver e o fraco deve morrer, é sem sentido. Uma coisa que as repúblicas Iluministas perceberam já em sua formação, é que um mundo onde o fraco seja explicitamente explorado no final resultaria em um mundo onde existem apenas fortes, que atacariam uns aos outros, sem estabilidade. É muito mais seguro garantir a procriação e ilusão de escolha dos fracos. Foi exatamente com esse pensamento que a Revolução Industrial e a Democracia obtiveram grande sucesso.
Se os seguidores de Shishio eliminassem todos os fracos, numa versão aberrante de Darwinismo Social, no final das contas seria uma constante luta pelo poder entre eles, coisa que JÁ acontecia desde os primeiros passos do plano de Shishio, todos pensam constantemente em usurpar seu poder e a única coisa que os distrai naquele ponto é a necessidade de derrubarem o governo.
Mas ainda assim sua retórica é poderosa pelo seguinte motivo: Hoje em dia, assim como na Era Meiji, a sociedade diz para as pessoas "você pode ser tudo o que você quiser". Isso não ajuda. Paradoxalmente, isso elimina o valor e dignidade das pessoas. Elas não se sentem melhores e empoderadas. Por que?
Porque dizer "Faça o que você quiser" mostra indiferença. Isso diz "Eu não ligo para o que você faz". Imagine um pai dizendo isso para o filho. Se um pai diz para o filho "faça o que quiser" ele não quer realmente dizer isso. Sempre existem regras e ensinamentos contra as coisas que os pais sabem que vão machucar os filhos. Se os pais não avisam nem instruem os filhos, e simplesmente dizem "faça o que quiser", existe um problema... Porque cuidar de alguém, amar alguém, significa querer seu bem mesmo que isso te incomode ou aponte que você está errado.
Os adolescentes mais problemáticos são aqueles a quem os pais dão tanta liberdade, que a criança se sente abandonada. Ela QUER que alguém ao menos tente lhe dizer o que fazer, mesmo que no fim não dê ouvidos.
Dizer a alguém "você pode ser tudo o que quiser" revela a crença errônea de que todo mundo tem o mesmo potencial infinito. Dá a impressão de que todos devem alcançar o mesmo patamar, e não que eles possam ser diversificados como a frase parece querer dizer. O que acontece quando alguém tenta seguir um objetivo para o qual não tem habilidade? E se ele falha e falha e nunca tem progresso? A eterna frustração de que apesar de "você poder ser tudo que quiser", você deve ter alguma falha fundamental por não conseguir. Isso explica a imensa variedade de frustrações presentes nas pessoas em nossa Sociedade.
Crianças precisam de limites. Sem limites, a pessoa não tem caminho a seguir; ele é soterrado por infinitas possibilidades, e isso gera inércia. É preciso alguém que ponha seus pés no chão, ofereça o contraponto, e uma direção. Ao menos uma sugestão.Do contrário, ela acredita que ninguém se importa com ela o suficiente para lhe apontar algum caminho, ela está por conta. Os contínuos mantras "Você pode ser tudo o que quiser" e "Faça o que quiser" gera um ciclo infinito de indiferença.
Sim, você pode ter qualquer profissão que deseja nesse novo mundo. Porém que diferença faz se ninguém se importa? O homem é um animal social. Apenas dá significado a sua vida, exerce sua humanidade, em relação aos outros. Isso não é sequer uma necessidade de reconhecimento, mas de propósito. O hedonismo chega até certo ponto quando se torna insustentável.
Mesmo Kenshin, que queria morrer enfrentando Shishio, não se permitiu pois existiam pessoas que o amavam e lhe deram uma clara direção... Volte para casa VIVO.
Vamos levar agora isso para aquele período de transição na História do Japão.
O Japão Feudal era rigidamente estratificado numa escala social hierárquica. As pessoas não podiam ser tudo que quisessem, contudo elas sabiam O QUE elas eram. Elas tinham um propósito, e um caminho... Serem as melhores naquilo que são. Tinham uma importância, uma sociedade que só poderia funcionar com sua existência, que dependia de sua profissão e talento. E tinham orgulho nisso. Na vida real, muitos samurais se tornaram rebeldes porque realmente não sabiam o que poderiam ser nesse novo mundo que dizia que podiam ser o que quisessem. Eles perderam propósito.
Por isso a retórica de Shishio funcionou. Ele deu um propósito; deu um caminho; ele se importou.
Kenshin só foi capaz de se adaptar a Era Meiji poruqe encontrou aqueles que se importassem com a sua pessoa, e lhe deram uma direção. Shishio não pode abandonar seu ódio, porque é a ÚNICA coisa que ainda lhe dá direção. Ele foi literalmente descartado da nova Era do Japão.
Shishio luta como um demônio literalmente, arrancado de um conto da antiga tradição japonesa. Uma vez que enfrenta Kenshin, está lutando tanto por sua sobrevivência/objetivo original como pela emoção de testar um homem que dizem ser o seu igual. Ele aprecia cada momento da luta: sorri com alegria e se torna mais entusiasmado com cada golpe que se conecta com o alvo. Ele ri alto, uma vez que percebe que tem Kenshin na defensiva. Ele se sente assim porque está realizando seu propósito.
Aristóteles nos disse que o objetivo da vida é EUDAIMONIA. Eudaimonia significa "daimon bem disposto", ou seja, usufruir plenamente da posição de vida que os poderes divinos lhe alocaram. Para os Antigos, a eudaimonia significa atingir o potencial pleno de realização de cada um. Portanto, mais do que um sentimento, a felicidade está relacionada com o que uma pessoa faz de si e de sua vida, sendo uma expressão da virtude, a consequencia natural de se fazer o que vale a pena ser feito.
E isso requer propósito.
A Era Meiji deu aos Japoneses um substituto para esse sentimento, a busca pela prosperidade financeira. Porém nem todos possuem em sua natureza essa necessidade, ela soa como vazia, imposta. Muitas pessoas são felizes nas profissões mais simples, mas são medidas numa escala de sucesso e fracasso pelos parâmetros sociais.
Por esse motivo Shishio ainda estava feliz mesmo no Inferno. Ao contrário da Era Meiji, o Inferno manteve seu propósito. O que esse personagem realmente nos ensina é que ter direção é importante, mas também que é preciso ter domínio de suas emoções para não ser literalmente consumido por elas.
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