Aquela vez que descobrimos o verdadeiro gênio da Fenda do Bikini... Ou Lula Schopenhauer!
A Fenda do Bikini é uma pequena cidade onde todos são felizes. Todos os habitantes da cidade são simples, facilmente satisfeitos, e possuem a imaginação de uma criança. Exceto uma pessoa. Ele trabalha como caixa em uma lanchonete, resmunga muito e odeia seu trabalho. Ele odeia todos seus vizinhos, considera a idiotice deles intolerável, mas ainda assim eles pensam nele como amigo.
O Lula Molusco (que na realidade é um polvo) é deprimido, miserável, e sério; ele tem uma imagem pessimista do mundo. Ele mora em uma estátua da ilha de Páscoa, a forma da sua casa incorpora sua natureza sóbria e sem vida.
À primeira vista ele parece estar certo. Que ser humano não se sentiria infeliz vivendo cercado de retardados? Porém ele realmente É tão diferente deles? Apesar de se achar um artista, é um tocador de clarinete medíocre. A única diferença entre ele e os outros miseráveis da Fenda do Bikíni é que está consciente de sua miséria... Até certo grau; ele ainda acha que é um bom tocador de clarinete.
Arthur Schopenhauer foi um Filósofo que viveu na Alemanha no fim do séc. XVIII, que considerava que infelicidade vem da própria natureza do mundo, e que Arte é a única forma de escapar da existência miserável que segundo ele a vida é.
Schopenhauer em "O Mundo como Vontade e Representação, em Dois Volumes" descreve que a vida não apenas é miserável, mas sem sentido. Ele afirma que todas as nossas ações são fúteis, não temos controle sobre a natureza do mundo, ou sobre nós mesmos. O Lula Molusco combina perfeitamente com essa Filosofia, ele se ve como vítima das circunstâncias, dependendo de um trabalho que não gosta e sofrendo a indignidade de conviver com um bando de idiotas. Segundo Schopenhauer, esse sofrimento não é culpa do Lula Molusco, e sim da natureza essencial do mundo, que é a "vontade" do mundo. Para ele tudo te força a existir, e a forma mais alta de existência é a vida orgânica. É como se o Universo tivesse a NECESSIDADE de forçar a existência da vida, e que essa é a única qualidade incondicional da natureza. Dentro dessa Filosofia, nós seres humanos somos apenas mais uma dessas muitas expressões de existência e não somos mais valiosos nem significantes do que qualquer outra vida animal.
A Filosofia de Schopenhauer foi o início das ideologias do séc. XX sobre "Vontade". Essa é a palavra chave dos séc. XIX e XX. Contudo em Schopenhauer a "Vontade" é aquela qualidade natural da existência que determina e motiva nossas ações e necessidades básicas para nos forçar a existirmos. A "Vontade" nesse sentido é uma existência metafísica, a "realidade".
Então, nesse sentido, para Schopenhauer o Lula Molusco é nada mais que essa "Vontade" personificada, um ser que persiste em existir ainda que considere a existência fútil.Veja como isso foi modificado por pensadores posteriores para uma "Vontade" que possa modificar essa existência fútil e construir uma nova realidade. Schopenhauer não concordaria com essa visão posterior porque para ele desejo é nada mais que uma condição de sofrimento, apenas um motivador para existir condenado a nunca ser satisfeito. Por mais que o Lula Molusco deseje ter reconhecido seu talento artístico, viverá eternamente frustrado pela incapacidade de realizar esse desejo. Seu desejo é apenas a fonte de suas ações, um motivador para continuar existindo; e para que essa motivação sempre exista, é fundamental para a natureza, segundo Schopenhauer, que jamais alcance seu desejo.
Pessimista é pouco né.
"Criaturas em constante necessidade, que continuam por um tempo meramente devorando umas às outras, e passam sua existência em ansiedade e querer, e sofrem terríveis aflições, até que finalmente caem nos braços da morte"... Essa é a definição de Schopenhauer de seres humanos.
Satisfação é impossível para Schopenhauer. Os habitantes da Fenda do Bikini são satisfeitos não porque compreendem sua posição no mundo, mas como Schopenhauer diria, eles são CEGOS para sua posição no mundo, e vivem de pequenos desejos sem sentido. Aqueles que tem consciência de sua condição, como o Lula Molusco, viveriam infelizes, embora ainda desejando futilmente. Mesmo que realizem seus desejos, isso apenas os deixará mais frustrados, desejando mais; porque a natureza, a "vontade" é o modo que a vida preserva sua existência. Isso significa que a Vontade aqui, nesse sentido, não é um ato consciente, racional, um processo inteligível de decisão, como pensam outros Filósofos; e sim apenas um impulso cego, sem fundamento nem propósito além de existir.
Schopenhauer, ao meu ver, confunde Vontade consciente com Desejos e Apetites inconscientes. Ao contrário dos Platonistas, sua realidade não é formada de várias camadas onde aquilo que nos falta é cada vez mais claro; não; para ele, existe apenas UMA camada de realidade, e por isso não há distinção entre vontade consciente e inconsciente; todas as formas de Vontade são anteriores ao Intelecto. A vontade para ele não tem uma característica intelectual, ela é a engrenagem invisível que move o intelecto. O que significa que todos os desejos são superiores ao intelecto, e que o intelecto apenas racionaliza suas ações que na realidade, seriam sem sentido.
É uma visão que superficialmente pode não parecer, contudo que é realmente muito materialista. É isenta de qualquer ser preternatural inteligente. Não existem para Schopenhauer Espíritos, Deuses, ou Deus inteligente. Apenas uma abstrata "Vontade" que mantém as coisas em uma forma de "instinto de sobrevivência". Quando vemos Platão e como as deidades apenas procedem do Um e depois Retornam, isso pode parecer superficialmente com Schopenhauer, apenas uma forma cega de manter a existência e nada mais, e inclusive ele se inspirou em Platão e Kant, embora na realidade é radicalmente diferente.
De 1814 a 1818, Schopenhauer viveu em Dresden, desenvolvendo ideias em seu mais famoso livro, The World as Will and Representation. Em Dresden, Schopenhauer se familiarizou com o filósofo e maçon, Karl Christian Friedrich Krause (1781-1832), cujas opiniões panenteísticas parecem ter sido influentes. É nesse ponto que a Filosofia de Schopenhauer se encontra com os Antigos superficialmente; muitas vezes culturas antigas são consideradas Panteístas quando na realidade são mais Panenteístas, como os Egípcios. O Panenteísmo (isto é, Tudo-em-Deus), é muito parecido com panteísmo (Tudo-é-Deus), no entanto a diferença na visão é que podemos compreender que o universo é um aspecto de Deus, uma projeção, mas que não é idêntica a Deus Supremo exatamente. Como veremos adiante, Schopenhauer às vezes caracterizava a coisa em si de uma maneira que lembrava o panenteísmo, mas também o Panteísmo. Pois apesar do propósito ser o mesmo, os deuses em Platão criam o mundo de forma inteligente a partir de uma projeção do Um, e a felicidade É possível de ser alcançada, em plenitude, na apotheose onde o ser cria demiurgicamente. Para Schopenhauer não existe apotheose. Existe apenas uma forma de aliviar o sofrimento enquanto ele dura, seja por moral, arte, ou asceticismo.
Nesse ponto, é muito mais parecido com Budismo.
Schopenhauer descartou os argumentos cosmológicos e ontológicos frequentemente citados e (especialmente durante seu tempo) filosoficamente frequentemente invocados para a existência de Deus e, juntamente com eles, todas as Filosofias que se baseiam em tais argumentos. Ele acreditava enfaticamente que as filosofias idealistas alemãs de Fichte, Schelling e Hegel se apoiavam em erros explicativos desse tipo, e os considerava como estilos de pensamento fundamentalmente equivocados, porque via suas filosofias como baseadas especificamente em versões do Argumento ontológico para a existência de Deus. Sua condenação do idealismo alemão foi avançada à luz do que considerava ser boas razões filosóficas, apesar de sua frequente retórica e ataques pessoais a Fichte, Schelling e Hegel.
Para Schopenhauer não existe Deus a ser compreendido. O mundo é apenas o mundo em si, um impulso cego, isento de conhecimento, sem leis, apesar que inteiramente auto determinado e todo-poderoso em sua eterna frustração, uma busca por nada em particular, um universo além do bem e do mal.
Você pode perceber também MUITO de Schopenhauer no conceito Lovecraftiano de Azathoth e os "Old Ones". A Arte então não é, para Schopenhauer, como Platão dizia um portal para uma realidade superior; para ele a Arte é um Placebo, que diminui o sofrimento, dando a ILUSÃO de que encontramos sentido, porém efêmero e abstrato, incapaz de nos satisfazer, e por isso a existência continuará miserável. Ele defende a experiência mística, contudo apenas como um placebo.
Essa defesa da experiência mística mostra também que Schopenhauer nunca entendeu Platão. Se TUDO é Vontade sem qualificação, então não é claro onde fica esse estado místico da mente onde a vontade é apaziguada. Dentro do próprio esquema de Schopenhauer, esse estado ficaria ou no nível da Vontade como ela é em si mesma, ou no nível das Ideias Platônicas, ou no nível das coisas individuais no espaço-tempo. Não pode ser no último porque para ele a consciência individual é a consciência do desejo, frustração e sofrimento. Nem pode ser no nível da Vontade porque a Vontade é cega e frustrada, sem conhecimento e sem satisfação.
Então essa consciência ascética e mística só poderia estar no nível da distinção sujeito-objeto, semelhante a consciência preenchida de música, mas Schopenhauer diz que a consciência mística derruba o tempo e espaço e também as formas fundamentais de sujeito e objeto: "Sem Vontade, sem representação, sem mundo" (WWR seção 71). Assim, em termos de seu grau de generalidade, o estado místico da mente parece estar localizado em um nível de universalidade comparável ao da Vontade como coisa em si. Como ele a caracteriza como não sendo uma manifestação da Vontade, no entanto, ela parece estar inserida em outra dimensão completamente, em total desconexão da Vontade como a coisa em si. Isto quer dizer que se a coisa em si é exatamente congruente com Vontade, então é difícil aceitar as caracterizações místicas de Schopenhauer da consciência ascética e, ao mesmo tempo, identificar um lugar consistente para ela dentro do esquema filosófico de três níveis de Schopenhauer da realidade.
A única conclusão é que ele intuitivamente sabia que EXISTE algo mais, mas conscientemente era teimoso ou frustrado e esnobe demais com a Realidade para admitir. E toda sua Filosofia girava em torno disso.
É nesse ponto que ele se torna "paneteísta" em relação à "Vontade"; a experiência mística para ele significa que a coisa em si é multidimensional, e apesar de não ser inteiramente idêntica à Vontade, ela ainda existe dentro dela, existe como manifestação dela, e serve à ela. A experiência mística para Schopenhauer existe apenas para tornar a existência mais tolerável, então serve a Vontade, o impulso cego que nos engana e nos força a existir.
A Filosofia de Schopenhauer então é fundamentalmente falha, porém é ALTAMENTE influente. Por que? Simples. Porque sua ideologia fala de um mundo de valores morais sem a necessidade da existência de Deus. Permite a possibilidade de experiência mística e conhecimento sem a existência de Deus e sim como uma forma de placebo semelhante ao que o Budismo prega de evitar o sofrimento. Por isso comentei que Schopenhauer foi um dos pais do pensamento materialista e espiritualismo moderno, vazio e materialista, onde o universo é um lugar fundamentalmente irracional e apesar das forças instintivas serem irracionais, elas ainda assim guiam as atitudes humanas. Os pensadores do séc. XX, todos sem exceção, beberam nessa fonte distorcida.
Lula Molusco é a Filosofia de Schopenhauer personificada, inclusive em seu único alívio ser o clarinete, como na Teoria da Música de Schopenhauer e sua ênfase no gênio artístico como forma de fuga do mundo de sofrimento, uma visão influente entre compositores como Johannes Brahms, Antonín Dvorák, Gustav Mahler, Hans Pfitzner, Sergei Prokofiev, Nikolay Rimsky-Korsakoff, Arnold Schönberg, and Richard Wagner.
A Filosofia de Schopenhauer diz que todos nós somos Lulas Moluscos; qualquer desejo nosso de satisfação é frustrado em um perpétuo estado de conflito com os outros. Bob Esponja e Patrick vivem brincando, cegamente buscando seu prazer e diversão, mas ao fazerem isso só interrompem e frustram o Lula Molusco. Isso porque a raiz da felicidade deles é a causa da infelicidade dele: Eles são felizes porque são idiotas e isso deixa o Lula Molusco frustrado. Isso torna felicidade impossível.
O mundo não apenas faz você querer ser feliz, mas ele ATIVAMENTE agirá para que você seja infeliz, pois apenas na frustração, paradoxalmente, viveríamos lutando para viver e alcançarmos uma felicidade impossível. Lula Molusco concordaria com Schopenhauer que diz que o Mundo não deveria sequer existir. E, assim como Schopenhauer, ele só encontra paz na música, no entanto consciente de que a vida NUNCA é bonita, a Arte apenas mostra idealizações da vida que não conhecemos. Ou seja, o Lula Molusco é feliz enquanto toca música apenas para si mesmo; se colocasse sua música sob crivo crítico, descobriria que ela é horrível. Então vive em negação desse fato. É por isso que vive envolvido com Arte, pintando, tocando, etc.
Agora a grande ironia é que para Schopenhauer, o gênio artístico é comunicar Ideias Platônicas, mas uma visão que como já vimos é distorcida do contexto original de Platão. Para Schopenhauer a marca do gênio é que este sempre ve o universal no particular, ou seja ele ve a Ideia de um por do sol no por do sol, enquanto que a pessoa comum só está interessada nas coisas e eventos da sua vida, não no seu significado objetivo. Para o gênio, sua poesia, pintura, arte, são um fim em si, onde as outras pessoas desejam apenas as coisas por seu próprio interesse. Para Schopenhauer é o gênio que é grande porque ele não busca seus próprios interesses, e sim um fim objetivo. A ironia é que toda a Filosofia de Schopenhauer parece ser uma busca de justificar suas próprias frustrações e ausência de experiência mística objetiva. Sua Filosofia parece ser uma imensa busca em auto interesse.
Outra ironia é que ele diz que "todo gênio é uma grande criança, já que ve o mundo como algo estranho e misterioso, um drama, e assim com um interesse puramente objetivo". Ou seja a criança, assim como o gênio, olha para o mundo maravilhado sem nenhum desejo subjetivo nem Vontade de dominar isso, e sim de apreciar pelo que é.
Nesse sentido, segundo Schopenhauer, o verdadeiro gênio não é o Lula Molusco. É o Patrick. Isso só deixaria o Lula Molusco ainda mais miserável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário